Em 31 de agosto de 2016, o Senado Federal afastou, em definitivo, a presidenta Dilma Rousseff, finalizando o processo de impeachment iniciado na Câmara dos Deputados. Em 17 de abril, o plenário da Câmara havia decidido pela sua admissibilidade em votação aberta que registrou uma simbólica demonstração de descompostura política de parlamentares e que envergonhou a sociedade brasileira. O processo seguiu ao Senado para a análise do mérito. Desta vez, sob as vestes de suposta sobriedade, a maioria dos Senadores definiu, antes em comissão e depois no plenário, pelo deferimento do pedido de impeachment.
Antes da votação na Câmara, o STF foi provocado a se manifestar e se limitou a firmar orientações sobre o rito processual. Houve uma maioria de parlamentares contrários ao governo federal e um processo de impeachment com o rito revisado pelo Supremo Tribunal Federal.
Se tudo se limitasse ao mero formalismo, haveria de ser um processo que, embora extraordinário pelo seu objetivo – o afastamento de uma chefe de Estado –, retrataria o exercício das regras constitucionais.
No entanto, nem os Deputados, nem os Senadores e nem os Ministros do Supremo Tribunal Federal se dignaram a examinar, nas oportunidades que tiveram, o mérito do pedido de impeachment, com o rigor dos critérios jurídicos e constitucionais. Em meio à ausência do fundamento necessário para legitimar o impeachment, a sociedade brasileira viu o resultado da sua opção política expressa em 2014 se transformar em objeto de um processo judicial impregnado de vícios jurídico constitucionais, em sua dimensão material e alcance políticos. E a democracia ser derrubada pela violência da falsidade.
O pedido de impeachment pautava-se em suposto crime de responsabilidade da presidenta da República, o qual não foi configurado nos debates e na instrução processual. Em termos de movimentações orçamentárias, o que antes era corriqueiro, inclusive aos olhos do TCU, passou a ser “crime”. Um crime inexistente e encomendado.
Em paralelo, a propaganda midiática tratou de criar um cenário propício de apoio ao golpe em curso: através de jargões publicitários, foram impostas diuturnamente reportagens que “informavam” sobre o que seria a maior corrupção da história, com uma narrativa que transformava a grande empresa estatal brasileira em uma reunião de corruptos, quase que exclusivos do governo da presidenta Dilma Rousseff. A seletividade na operação Lava-Jato, direcionada a envolver alguns políticos e a não envolver outros, desvelou o papel político, em sua pior acepção, de setores do Ministério Público Federal, que encontrara apoio em membros do Judiciário. Essa ambientação articulada pela mídia e a atuação seletiva de setores do MPF e do Judiciário, posicionou o impeachment como um “remédio” contra a corrupção, ao invés de relacionado a eventuais crimes de responsabilidade, conforme o feitio esperado, em flagrante atentado à Constituição.
O que menos se levou em conta no processo foram os elementos jurídicos básicos. Condutas antes não criminosas passaram a ser ilícitas apenas em um momento específico e apropriado para enquadrar a presidenta Dilma Rousseff. Parte da mídia se dedicou a criar cenários com a finalidade de angariar apoios ao processo que já se descaracterizara como impeachment e se revelava como um golpe parlamentar.
Mesmo sendo previsto como um processo jurídico, os julgadores não se dedicaram a fazer justiça. Sem a preocupação de comprovar o necessário crime de responsabilidade, o parlamento decidiu por prosseguir o processo sem cuidados também em sua instrução. O suposto crime de responsabilidade, questão que seria rigorosamente a mais séria e juridicamente a que permitiria a legitimidade do afastamento, restou inteiramente prejudicada pela ausência do suporte jurídico.
A transmissão pública das sessões na Câmara e no Senado revelou ao mundo que Dilma Rousseff não foi julgada por prática de crime de responsabilidade, pois ele não existiu, mas por motivações políticas, singela e cinicamente apelidadas de “conjunto da obra”. Em síntese, a presidenta escolhida pela maioria dos eleitores brasileiros em 2014 foi afastada definitivamente do cargo por parlamentares que discordaram do seu governo. Sem crime de responsabilidade, o impeachment se revelou como golpe.
Logo após o afastamento em definitivo da presidenta Dilma Rousseff, parlamentares chegaram a afirmar a não ocorrência do crime, e que o impeachment se justificava por outros e variados motivos, como a inflação e a situação econômica. Sintomaticamente, o discurso sobre a corrupção no país também foi reduzido, como se o problema tivesse sido resolvido com a saída da presidenta. A imprensa internacional reconheceu o golpe e informou ao mundo, e ao Brasil, o que a mídia nacional não fez: uma presidenta que não cometeu crime foi derrubada por parlamentares reconhecidamente corruptos.
A ilegitimidade do atual governo, beneficiário do golpe, se estampou com a defesa de um programa político afrontoso à Constituição e absolutamente distante daquele escolhido pelo povo brasileiro em 2014. Os efeitos e as reais justificativas do golpe foram sentidos de imediato por meio de cortes orçamentários em políticas públicas dirigidas às classes trabalhadoras, de ataques ao SUS, redução de verbas para a educação, para a qual se propõe uma tecnicização alienante, ameaças aos direitos sociais, à Justiça do Trabalho, o rebaixamento do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, o descompromisso com os povos tradicionais. A indicação de ministros que não refletem a diversidade étnica, cultural, de gênero e de orientação sexual da população deste país não deixa dúvida de quem são as maiores vítimas do golpe. Neste momento, o Estado brasileiro experimenta um controle excessivo por parte de um minúsculo e suspeito grupo de políticos, que adota como padrão a anulação da política, por meio da repressão às manifestações da sociedade e do estrangulamento de medidas de valorização à democracia, como a Comissão da Anistia.
Diante disso, o silêncio não cabe a nós, Professoras e Professores de Direito.
Cabe-nos a denúncia, o esclarecimento, o esforço em defesa da Constituição, do Estado Democrático de Direito e a luta pela cidadania.
Assinam esta Moção as professoras e os professores abaixo relacionados:
Adriana Wyzykowski
Ainah Angelini
Ana Beatriz Pereira
Ana Lívia Braga
André Portela
Ariadne Muricy Barreto
Augusto Sérgio de São Bernardo
Bernardo Lima
Bruno Heim
Byron de Castro
Carlos Eduardo Soares de Freitas
Carlos Pereira Neto Siuffo
Carlos Públio
Cláudio Carvalho
Cléber Lázaro Julião Costa
Cloves dos Santos Araújo
Daniella Magalhães
Emmanuel Oguri Freitas
Fábio Gabriel Breitenbach
Fátima Noleto
Felipe Estrela
Flávia Almeida Pita
Frederico Costa
Gabriela Barretto de Sá
Gabriella Barbosa Santos
Gesner Ferraz
Gilzely Bárbara Barreto Santana
Isan Almeida Lima
Jailson Braga
Jalusa Arruda
José Araújo Avelino
José Ivaldo
José Cláudio Rocha
Kadja Parente
Laurício Pedrosa
Leonardo Fiusa
Luana Rosário
Luciano Bomfim
Luciano Tourinho
Marcelo Politano de Freitas
Márcia Margarida Martins
Márcia Misi
Maria Helena
Maria Paula Ávila
Maria Soledade Soares Cruzes
Mariana Veras
Marília Lomanto Veloso
Maurício Azevedo de Araújo
Ney Menezes
Paulo Cezar Borges Martins
Paulo Rosa Torres
Pedro Camilo de Figueiredo Neto
Pedro Diamantino
Riccardo Cappi
Stella Rodrigues dos Santos
Thaíze Carvalho
Uirá Azevedo
Urbano Félix Pugliese do Bomfim
Wagner Oliveira Rodrigues