O adoecimento vem afetando cada vez mais os professores em seus locais de trabalho. Das doenças laborais clássicas – provocadas por atividades insalubres – aos transtornos mentais e comportamentais, os docentes têm sofrido, mental e fisicamente, pela precarização de suas condições de trabalho.
A Seção Sindical dos Docentes da Universidade Federal de Santa Maria (Sedufsm – Seção Sindical do ANDES-SN) levantou dados e entrevistou especialistas sobre o tema para reportagem especial publicada em seu jornal de maio. De 2012 para 2013, os casos de adoecimento docente por contra do próprio trabalho passaram de 26 para 58, conforme dados cedidos pelo Setor de Qualidade de Vida da UFSM.
E, dentre esses transtornos, a depressão é o carro-chefe, ilustrando um cenário, para os professores, que não se afasta daquele mais amplo observado no conjunto da classe trabalhadora. Estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que, na próxima década, a doença será a mais comum do mundo. Já dados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) mostram que a depressão foi responsável por 61.044 dos pedidos de afastamento do trabalho no ano de 2013 em nosso país.
Por que a universidade causa adoecimento?
Foi o que se perguntou a professora da Sociedade Brasileira para o Ensino e Pesquisa (Sobresp) e da Educação a Distância (EaD) na UFSM, Alessandra Pimenta, no decorrer de sua pesquisa na pós-graduação. “Eu notava a diferença de comportamento de alguns professores em sala. Geralmente o aluno de pós-graduação é problematizador, levanta questões e busca avançar no conhecimento. E em determinadas aulas ninguém abria a boca. Via-se que mudava a postura dos colegas. E aí tu olhas para o professor e vês que ele está a ponto de explodir”, diz a autora da tese de doutorado ‘(Des)caminhos da pós-graduação brasileira: o produtivismo acadêmico e seus efeitos nos professores pesquisadores’.
E a resposta central para sua indagação não ficou longe daquilo que o movimento sindical docente vem apontando: o produtivismo acadêmico, espécie de valor que hoje encharca o modelo de universidade, de educação e as próprias relações de trabalho, construiu uma lógica perversa da qual o professor dificilmente consegue se desvencilhar. Se por um lado tal lógica pressiona os docentes a produzirem num ritmo quase tão acelerado quanto o observado numa linha de produção, por outro oprime com a desvalorização aqueles que desenvolvem projetos de extensão considerados pouco rentáveis na perspectiva dos órgãos fomentadores.
A lógica produtivista traz consigo outra intencionalidade, destacada pelo professor do departamento de Medicina do Trabalho da Universidade Federal do Pará (UFPA), Jadir Campos: a responsabilização da categoria docente pela captação de recursos orçamentários, uma vez que a universidade pública vem sofrendo cada vez mais com os cortes de verbas. “A suposta ‘genialidade’ do docente, eleita por critérios definidos pelos interesses do mercado, é produto da própria escassez dos recursos (disponibilizados para as instituições de ensino), que se tornam alvo de disputa”, explica Campos. Na UFPA, os transtornos mentais são a principal causa de adoecimento na categoria docente.
Envoltos como estão, a maioria não se dá conta do seu processo de adoecimento, de forma que a única situação capaz de afastá-los da rotina frenética de produção é, muitas vezes, uma doença aparentemente orgânica que os incapacite para as atividades. “A pessoa está tão envolvida naquilo – fazer projetos, conseguir recursos, orientar – que uma dor de barriga faz ela parar depois. E muitas vezes tu vai avaliar e não tem nenhuma doença orgânica que justifique aquele sintoma de dor, pois está relacionado à questão mental”, diz Liliani Brum, médica coordenadora do Setor de Perícia da UFSM. Insônia, dependência química e transtornos de adaptação também se incluem entre os principais problemas de ordem psíquica que vêm afetando os professores da instituição. “No meio do caminho alguns não conseguem e acabam adoecendo”, problematiza Liliani, ilustrando a relação nada harmônica entre o produtivismo e a saúde dos professores.
Transtorno campeão em afastar docentes da atividade laboral na UFSM, a depressão caracteriza-se, conforme explica a médica, pela perda de vitalidade no dia-a-dia. Cansaço, falta de prazer nas atividades do cotidiano – nas quais figura o trabalho, distúrbios alimentares – aumento ou perda de peso, distúrbios no sono – insônia ou muita sonolência, isolamento e excesso de adinamia (cansaço) são alguns dos principais sintomas. Uma vez que se relaciona diretamente com o cotidiano, o professor afetado tende a transformar seu comportamento em sala de aula, podendo se mostrar irritável ou apático.
A síndrome por trás dos atestados médicos das universidades
Exaustão emocional, distanciamento afetivo e baixa realização profissional. Em quantos atestados de afastamentos figuram esses sintomas? Podemos arriscar: em nenhum. Porém, são esses os indicadores responsáveis por atestar se um trabalhador está ou não acometido pela Síndrome de Burnout. Transtorno relativamente recente – tendo sido descrito, pela primeira vez, em 1974 por Freudenberger, um médico alemão -, atinge com mais intensidade aquelas categorias que possuem contato direto com o público. Aí se incluem, por exemplo, bancários, profissionais da saúde e docentes dos mais variados níveis de ensino. De natureza multifatorial e psicossomática, a doença manifesta-se de diversas formas, podendo alterar o comportamento do professor em sala de aula e até incentivar o surgimento de problemas gástricos ou cardíacos.
ANDES-SN de olho na saúde da categoria
Walcyr de Oliveira Barros é um dos coordenadores do Grupo de Trabalho de Seguridade Social e Assuntos de Aposentadoria (GTSSA) do ANDES-SN e conta que já há, na entidade, a proposta de que sejam realizados levantamentos, em cada universidade, sobre a questão da saúde docente. “O GT pensou na pesquisa como instrumento não apenas de conseguir dados, mas como um instrumento através do qual pudéssemos dialogar com a nossa base e sensibilizá-la. Se tem algo que, de certa forma, preocupa a cada sujeito é justamente seu processo de finitude e as questões de saúde”, explica Barros, que, mesmo sem o resultado de todas as universidades, já aponta a precarização do trabalho docente como uma das causas basilares para o adoecimento cada vez mais presente na categoria.
Edição de ANDES-SN