Professora da UESC e advogada, Luana Rosário, foi vítima de abuso sexual dentro de um ônibus.
“Foi muito difícil. Assim como está sendo difícil escrever esse texto. Mas preciso fazer isso, pois, é o que eu ensino em sala de aula. Mulheres, não é normal que um homem toque em seu corpo sem o seu consentimento! Falem e busquem apoio”.
A professora Luana narrou detalhes do ocorrido, manifestando toda angústia e sensação de vulnerabilidade diante da falta de assistência.
Por Luana Rosário/Facebook
Eu, advogada e professora universitária, embarquei na noite de 8 de março no Ônibus da Àguia Branca, em Salvador, com destino à Itabuna. Antes da partida, com as instruções de praxe, acerca de uso de cinto de segurança e tempo estimado de viagem, o motorista desejou a todas as mulheres presentes um Feliz Da Internacional da Mulher. Pedi a Deus uma boa viagem e dormi. Por volta das 3:00h da manhã acordei assustada com a mão do senhor da poltrona ao lado por dentro da minha blusa entre a cintura e cóis da calça. Atônita, perplexa, com raiva, ultrajada, retirei aquela mão e acendi a luz de leitura de minha poltrona. Olhei para os lados, o ônibus estava todo escuro, as pessoas dormiam. E agora? Faço um escândalo? Acordo todo mundo? Só consegui pensar que não poderia mais ficar ao lado daquele homem. Mandei que se levantasse para que eu fosse ao banheiro. Não ia passar na frente dele sem que se ele se levantasse da poltrona de jeito nenhum! Fugi para o banheiro! Dentro do banheiro, sozinha, repeti várias vezes, pensa, pensa! Só pensava que não podia voltar para a minha poltrona! Fui até a cabine do motorista e bati na porta feito uma louca. Quando ele abriu, eu disse: – Motorista, preciso de outra poltrona porque o senhor ao meu lado passou a mão em mim. Além disso, quero registrar uma ocorrência. Pensei em quantas mulheres passaram e passam por isso e achei que, com a minha formação, era meu dever não ser mais uma a me calar. Virei-me para todo ônibus e contei a todos os passageiros o ocorrido. Pedi ao motorista que acendesse as luzes do veículo. Nunca me senti tão vulnerável. Durante todo o tempo, desde o momento em que um estranho tocou em meu corpo sem minha autorização, durante a exposição a que me submeti com a minha fala e com tudo o que seguiu adiante. Quando o motorista parou no posto da PRF de Gandu e esse disse que naquela cidade não tinha plantão da polícia civil e que teríamos que ir até Itabuna, quando esse mesmo agente me perguntou se algo na minha bolsa tinha sido roubado (ao que eu respondi: ele passou a mão em mim! Isso é pouco?), quando o motorista, ainda que bem intencionado pediu que eu ligasse para algum conhecido em Itabuna, para que esse conhecido providenciasse qua a PM fosse até a rodoviária pois ele não conhecia bem a cidade e não conseguiria chegar à delegacia da polícia civil, o que eu fiz, sem não antes ressaltar que a empresa não poderia se eximir de sua responsabilidade. Tendo voltado ao ônibus chorei muito pelos km que ainda faltavam. Quando, tendo o ônibus parado em frente a um módulo policial defronte à rodoviária, enquanto o motorista desceu para narrar o ocorrido ao policial militar, fiquei sozinha e sem apoio; quando o primeiro passageiro desembarcou sem cerimônia; quando, o PM, ao subir para comunicar que todos seguiriam para a delegacia, vários passageiros se opuseram; quando faltou argumentação sensível do policial militar em face dessa recusa; quando, tendo chegado à delegacia da polícia civil, com ônibus e cerca de 12 testemunhas que permaneceram não havia delegado plantonista; quando houve a primeira alegação feita pelos agentes da incompetência pela territorialidade, comentários vagos sobre ausência de testemunha ocular do fato ou ausência de prova material do delito ou incapacidade de se fazer perícia. Diante da pressão feita pelas testemunhas presentes, a quem sou infinitamente grata, e da minha advogada para quem liguei às 03:30 da manhã, colega professora universitária, foram ouvidos o agressor, a mim e ao motorista e todas as testemunhas dispensadas. Além da violência do abuso, eu tive que lidar com uma série de violências sucessivas decorrentes do despreparo dos agentes de Estado para lidar com a violência contra a mulher. Foi muito difícil. Assim como está sendo difícil escrever esse texto. Mas preciso fazer isso, pois, é o que eu ensino em sala de aula. Mulheres, não é normal que um homem toque em seu corpo sem o seu consentimento! Falem e busquem apoio!
Nota do Movimento Mulheres em Luta.
Todos os dias mulheres são vítimas de violência nos transportes públicos. Este é mais um resultado da ideologia machista, que difunde das mais diversas formas a ideia de que o corpo da mulher é público e suscetível aos “anseios” viris do homem. No dia 8 de Março, ultimo, Luana Rosário foi uma das vítimas deste processo.
Durante a madrugada, no trajeto de Salvador para Itabuna, Luana acordou assustada com a mão de um desconhecido por baixo da blusa, próximo ao cós de sua calça. Não bastasse a violência e o constrangimento de o violentador tentar desacreditá-la enquanto fazia a denúncia ao motorista e aos demais passageiros, Luana também foi vítima do descaso do Estado com o combate ao machismo.
Luana foi vítima da falta de políticas públicas para a prevenção e combate desta forma de violência machista nos terminais rodoviários. Foi vítima do funcionamento limitado das Delegacias de Atendimento à Mulher (DEAM), aberta apenas de segunda a sexta nos horários comerciais. Vítima do despreparo da delegacia comum, composta majoritariamente por homens, quase sempre coniventes com a lógica machista e patriarcal que impera em nossa sociedade.
Doutora em direito e militante das causas sociais, Luana buscou justiça para si, mas também tornou pública sua indignação, dando voz a mulheres muitas vezes silenciadas pelo medo, vergonha ou, até mesmo, falta de informação.
Nós do Movimento Mulheres em Luta (MML) nos solidarizamos com Luana e com todas as mulheres vítimas de violência nos transportes públicos, e convidamos a todas e todos a transformar a dor e indignação em luta.
MML: http://mulheresemluta.blogspot.com.br/