CSP-Conlutas organiza caravana a MS em solidariedade aos povos Guarani Kaiowa

A CSP-Conlutas está organizando uma caravana para os dias 10, 11, 12 e 13 de dezembro próximo a Mato Grosso do Sul. O objetivo é se solidarizar e conhecer o dia a dia e a luta do povo Guarani Kaiowa, que morre sob intensa violência por defender a demarcação das terras indígenas.

Segundo dados do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), pelo menos 390 índios foram assassinados somente em MS nos últimos 12 anos. 41 deles somente no ano passado, de 2014. O que acontece no MS é um verdadeiro genocídio. O massacre sofrido por esse povo é decorrência da ganância dos grandes pecuaristas, dos latifundiários e do agronegócio na região, que não respeitam as terras indígenas e avançam a cada dia sobre essas terras nem que para isso precisem matar esses povos por meio de bala ou outros métodos.

Ataques relâmpagos, espancamentos, estupros de mulheres adultas e adolescentes, morte de crianças, terror psicológico. Todas essas são armas usadas pelos fazendeiros para acabar com os povos originários daquela região.   Fazendeiros, pistoleiros, policiais do Departamento de Operações de Fronteiras (DOF), policia civil e, segundo lideranças, o governador do Estado, André Puccinelli (PMDB),  todos são ameaças contínuas.   “Os ataques são constantes, não sabemos a hora que vão atacar. Não temos onde fazer boletim de ocorrência pedindo proteção efetiva pela vida. Tentamos passar alegria e amor, mas a todo momento temos que estar prontos. Tortura física, psicológica. Essa é nossa vida no MS”, diz Valdelice Verón, uma das lideranças dos Guarani Kaiowa a uma equipe de jornalistas da CSP-Conlutas e do jornal Opinião Socialista que foi à região antes da ida da caravana para conhecer essa realidade desses povos.

A equipe percorreu aldeias, participou do Aty Guassu – reunião de caciques e lideranças indígenas, e conversou com diversas pessoas.   Tão grave quanto a violência física, constatou-se que há outra, mais velada. Daniela Jorge, filha do cacique Ezequiel Jorge que está jurado de morte, cursa o terceiro ano do ensino médio e diz que depois de um ataque a sua aldeia não merenda mais na escola porque tem medo de envenenamento, “principalmente no suco”, diz. Esse cuidado é praticado por muitos indígenas quando estão nas cidades e se intensifica no caso das lideranças e caciques.   Julia Verón, a matriarca da Takuara, aldeia que já está demarcada a espera de homologação pelo governo, mostra uma espiga de milho totalmente ressecada. “Isso é por causa do veneno que eles jogam nas nossas plantações”, denuncia. Os aviões que pulverizam os pesticidas nas plantações das fazendas locais sobrevoam também as aldeias e o que tudo indica é que jogam agrotóxicos em excesso para danificar as plantações indígenas. Acontece com milho, mandioca, laranjas e leguminosas. As crianças também costumam passar mal, relatam.

Além dos assassinatos, um dado chama atenção: já ocorreram mais de 700 suicídios, também segundo relatório publicado pelo Cimi. Somente em 2014 foram 48.   Isso sem falar das mortes por desassistência à saúde e mortalidade infantil por desnutrição e desassistência médica. A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) só atende os que vivem em aldeias já demarcadas, deixando desassistidos os que vivem nas terras que foram retomadas por eles.   Oficialmente, muitos dos suicídios são justificados pelo alcoolismo e por brigas passionais. Valdelice rebate os que justificam os suicídios a partir dessas causas. “Quando os nossos se suicidam, é porque não conseguem lidar com a humilhação, com a violência que sofremos, que tira a nossa dignidade. Dizem que mulheres se suicidam por brigas com os maridos. É mentira. As mulheres se suicidam porque não suportam os estupros dos pistoleiros, a violência física. Isso fica marcado na nossa alma. Isso não é suicídio. É assassinato”, acusa.

PEC 215 decretará morte dos Guarani Kaiowa

“A PEC 215 vai decretar a nossa morte”, sentencia o cacique Ládio Verón sobre a Proposta de Emenda Constitucional aprovada em final de outubro  pela Comissão Especial da Demarcação das Terras Indígenas da Câmara dos Deputados, que entre outras questões, transfere da União para o Congresso Nacional o poder de demarcação dessas terras.   A morosidade na demarcação dá tempo aos ruralistas buscarem formas de alteração dos procedimentos demarcatórios. A PEC 215/2000 é uma delas.   Valdelice, irmã do cacique Ládio, lamentou a decisão porque disse que implicará em novos ataques aos direitos indígenas no Brasil. “As conquistas que tivemos foi a base do sangue do nosso povo, se não houver a demarcação imediata das nossas terras, vamos continuar a ser massacrados, assassinados e destinados ao genocídio e extermínio.”   De acordo com o jurista Dalmo Dallari, o governo federal é omisso na questão da demarcação. “As terras indígenas são patrimônio da União, o governo teria por obrigação fazer a demarcação”, afirmou durante seu parecer no Tribunal Popular: o Estado brasileiro no banco dos réus, que aconteceu no último dia 9 de novembro na Faculdade de Direito do largo de São Francisco, em São Paulo.   Segundo Dallari, a demarcação deveria ter ocorrido até cinco anos após a promulgação da Constituição de 1988, mas não avançou por causa de interesses econômicos. “Governos não podem vender ou negociar  o patrimônio da União e a demarcação já deveria ter sido feita”, salientou.   O jurista foi mais longe e disse que um dos motivos da Constituição não ser respeitada é que “há ministros cujas famílias são invasoras de terras indígenas”.

Uma luta determinada  

A determinação dos Guarani Kaiowa faz com que não desistam dessa luta e busquem se articular cada vez mais.   Ainda em outubro último, estiveram na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que integra a Organização dos Estados Americanos (OEA), onde denunciaram os crimes cometidos no Mato Grosso do Sul. Entre os presentes na audiência estava a liderança Eliseu Lopes que denunciou como “genocídio” as mortes naquele estado. A audiência levou a instituição a questionar o governo brasileiro sobre as tais denúncias.   Valdelice denunciou ainda no início de outubro último, em audiência pública na Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, os crimes cometidos contra os indígenas e a necessidade da demarcação das terras.   Neste episódio, conforme matéria publicada pela própria Agência da Câmara, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSC-SP) saiu em defesa dos fazendeiros. “Aquelas terras estão com os fazendeiros, compradas do estado por meios legais, há 30, há 50 anos. Os senhores (índios) realmente acham que vão entrar naquelas terras na marra? Então, já que é na marra, olho por olho e dente por dente, então, os senhores não podem reclamar do conflito. Nós já temos uma área maior do que a região Sudeste inteira demarcada como terra indígena. O que mais os senhores querem?”   Os Guarani Kaiowa tem apoio de setores da Igreja, de organizações e entidades de esquerda, de organizações não governamentais e de personalidades públicas. Criou-se uma rede em sua defesa.   “Nós somos o povo originário desse lugar e somos um incomodo pra agronegócio, mas na beira da estrada não vamos aceitar ficar, vamos continuar demarcando a nossa própria terra com o nosso próprio sangue”, diz o cacique Eliseu Lopes.

Caravana Tekoha

A Caravana Tekoha contará com a presença de representantes dos movimentos sindical, sociais, da juventude e dos que lutam contra as opressões. A ideia é que vá um ônibus com saída no dia 9 dezembro, à noite, de São Paulo.   Essa iniciativa promovida pela CSP-Conlutas pretende contribuir para o fortalecimento da luta dos Guarani Kaiowa, mas também chamar a atenção para a luta em defesa da demarcação das terras indígenas no Brasil e denunciar a PEC 215 que em detrimento de interesses econômicos provocará a morte de parte significativa do povo originário de nosso país, de quilombolas que também lutas por suas terras e a destruição do meio ambiente.   A ganância de grandes fazendeiros e do agronegócio não é diferente da ganância de empresas como Samarco/Vale/BHP que se utilizam de nossas terras e riquezas naturais apenas em seu benefício próprio – o lucro, ainda que seja sobre o assassinato de povos, comunidades e trabalhadores e o aniquilamento do meio ambiente.

Fonte: CSP-Conlutas

 

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