Os moradores das favelas do Rio de Janeiro, após a intervenção militar no estado, estão sendo cerceados em seu direito de ir e vir. Militares realizaram uma ação de “fichamento” no dia 23 de fevereiro nas comunidades da Vila Kennedy, da Vila Aliança e da Coreia, na zona oeste.
Nesta ação, moradores eram obrigados a apresentar documentos e eram fotografados com celulares dos próprios soldados, segurando o RG ao lado do rosto, em uma prática que está sendo questionada por órgãos de direitos humanos.
O defensor público Daniel Lozoya, do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos, declarou ao jornal Estadão, que fotografar uma pessoa após apresentação do documento é ilegal e comparou tal prática aos tempos da ditadura militar.
“Tem de haver transparência. Para onde estão sendo mandadas essas imagens? Isto remonta a práticas antigas, da ditadura. O cidadão não é obrigado a aceitar. Mas tem medo de negar, diante de militares armados de fuzil. Se mostra a identificação civil, não tem que ser fotografado”, informou ao jornal.
Moradores salientaram ainda que quem não estivesse com os documentos em mãos era obrigado a voltar para casa para buscar a identificação, senão, não poderiam circular.
Na Vila Kennedy, moradores relataram ao jornal Estadão que muitos deixaram de ir trabalhar por se sentirem acuados pela medida. “O que esperar? O que vem depois disso? Então somos todos suspeitos? Se eu saio para comprar pão tenho que passar por isso?”, revoltou-se um rapaz, que pediu para não ser identificado. “É muita humilhação. Mas aqui é favela, eles acham que podem tudo. Quero ver fazer isso na zona sul”, lamentou.
A OAB-RJ (Ordem dos Advogados do Brasil) também avaliou que a ação infringia a Constituição, sobretudo, no direito de ir e vir de todo cidadão.
A imprensa chegou a ser impedida, em um primeiro momento, de acompanhar a atuação dos militares durante parte da ação.
Vale salientar que essa ação não foi ampliada para os bairros ricos do Rio de Janeiro, localizados na zona sul, limitando-se apenas às favelas e levando ao constrangimento a população pobre que reside nessas localidades.
Outro fato que torna ainda mais nebulosa o procedimento do Exercito é de que essa operação começa a ocorrer poucos dias após a morte do subcomandante da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) Vila Kennedy, tenente Guilherme Lopes da Cruz, e do sargento do Exército Bruno Cazuca, ambos assassinados em tentativas de assaltos.
Para o integrante do Movimento Nacional Quilombo Raça e Classe, Julio Condaque, há um clima de medo entre os moradores do Rio, pois estão apreensivos de haver tortura diante da atuação já desastrosa das forças militares. “Ontem houve uma reunião com a Federação de Favelas do Rio, na Mare. O general está dizendo que não vai ocupar as favelas, mas entrou com procedimento para fichar os moradores, isso é ilegal. Há todo um processo de organização das comunidades contra essa ocupação. Essa ocupação é um ataque aos negros e aos pobres e a toda a classe trabalhadora”, disse.
Apesar de o exercito ter sido impedido de ocupar as favelas do Rio o processo de intimidação é forte e só se destina a parcela mais pobre da sociedade. “Se a ocupação é em todo o Rio, porque essa ação é só na favela? É a militarização da favela com o objetivo político de controlar o povo”, frisou Julio.
O movimento organizado nas comunidades do Rio está se articulando e traçando medidas contra a intervenção militar. “O Rio serve de laboratório dessa ação que pode se espalhar para outros estados, temos que barrar esse absurdo”, destacou o dirigente do Quilombo Raça e Classe.
Para ele, o povo mais pobre precisa de políticas públicas e não do controle de suas vidas por meio da militarização dos territórios em que residem. “O problema da violência está ligado à falta de direitos como saúde e educação. Para nós é importante que o povo da favela se auto organize para barrar essa intervenção”, salientou.
Estão previstas manifestações no dia 8 e 21 de março no Rio de Janeiro como parte das ações contra a intervenção militar. Está prevista ainda a elaboração de uma carta à população por parte dos movimento de favelas do Rio que irá traçar políticas contra essa intervenção.
Fonte: CSP-Conlutas